Os abismos marinhos, a nova fronteira em disputa
O mundo inteiro cobiça as reservas de minerais escondidas nas profundezas dos oceanos
Depois do espaço, o fundo do mar é a nova fronteira. Assim como a Lua, Marte e outros planetas inexplorados, os fundos marinhos atraem todas as cobiças. Entre elas, a de Donald Trump, que no dia 25 de abril – ignorando o direito internacional - assinou um decreto para preparar a emissão de “permissões de exploração comercial” das profundezas oceânicas, inclusive em águas internacionais — uma decisão que provocou reações indignadas ao redor do mundo.
Mas Trump não é o único de olho nesses abismos e em seus incríveis recursos. Nos últimos meses, a Noruega também entrou na corrida. Já em janeiro de 2024, segundo o Smithsonian, Oslo “surpreendeu o mundo ao anunciar que planeja abrir suas águas para a prospecção mineral em grande profundidade, tornando-se o primeiro país a tomar tal decisão”. Desde então, quatro Estados insulares do Pacífico (Kiribati, Ilhas Cook, Tonga e Nauru) também se declararam abertos à exploração mineral. Até que veio o decreto do presidente americano.
E não é para menos: “A cerca de 5.000 metros de profundidade, sob o Oceano Pacífico, há um verdadeiro tesouro: 270 milhões de toneladas de níquel e 44 milhões de toneladas de cobalto”, afirma The Economist. Esses metais “poderiam desempenhar um papel essencial na transição energética”, sobretudo porque — argumenta a revista britânica — “a extração mineral nas grandes profundezas oceânicas seria mais respeitosa ao meio ambiente do que a mineração terrestre”. Mas isso ainda precisa ser comprovado e não convence as organizações ambientalistas, lembra a publicação, que destaca: “os abismos marinhos são um dos últimos lugares do planeta que ainda não foram explorados pelo homem”.
E aí está todo o problema. De acordo com um estudo publicado na Science Advances no dia 7 de maio, 99,99% dos fundos oceânicos jamais foram observados por olhos humanos. Assim, lançar-se na mineração dessas áreas envolve riscos consideráveis para a sobrevivência de ecossistemas únicos e essenciais, num momento em que as ameaças aos oceanos já são múltiplas: aquecimento global, acidificação, sobrepesca, poluição marinha…
Todas essas questões estarão no centro dos debates da terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano, que acontecerá de 9 a 13 de junho, em Nice. O encontro, que reunirá 193 países-membros, ONGs e representantes da sociedade civil, pretende “acelerar a ação e mobilizar todos os atores para conservar e usar de maneira sustentável os oceanos”. Uma atenção especial será dada à mobilização de financiamentos para “explorar os oceanos de maneira sustentável”. Diante do avanço da mineração submarina, um dos principais objetivos do encontro é discutir como regulamentar essa atividade para evitar impactos ambientais irreversíveis, garantindo que a exploração seja feita de forma responsável e sustentável.
A Conferência representa uma tentativa urgente de equilibrar interesses econômicos e ambientais, criando normas internacionais e promovendo a cooperação global para garantir que os oceanos continuem sendo uma fonte de vida, e não de destruição.
A julgar pela imprensa internacional, a exploração das grandes profundezas parece inevitável. A pergunta agora é: como evitar os excessos enquanto ainda há tempo? E como apoiar-se na ciência e na pesquisa para impedir que essa corrida se transforme em um novo Faroeste?
O exemplo da Noruega é, nesse sentido, particularmente instrutivo. Christian Elliott, do Smithsonian Institute, explica como, no passado, cientistas, industriais e governos conseguiram trabalhar juntos e tomar as melhores decisões para proteger o meio ambiente: “Explorar não significa, necessariamente, explorar comercialmente”, escreve o autor. “Mas, se considerarmos o passado da extração petrolífera, que também teve uma fase exploratória, assim que as empresas investirem para identificar locais propícios à mineração, o governo (norueguês) provavelmente autorizará as operações comerciais”. A urgência, portanto, é regulamentar, se quisermos proteger os fundos marinhos. A ONU precisa regular a corrida desenfreada aos fundos marinhos iniciada por Trump. Isso será uma pedra angular dos debates da Terceira Conferência em Nice. Eles se assentarão na convicção hoje geral de que, sim, o fundo marinho está ameaçado pela exploração comercial. A crescente corrida pela extração de minerais nas grandes profundezas oceânicas representa uma ameaça significativa a esses ecossistemas.
Mas a cobiça humana não tem limites. Não conseguimos aprender com as lições que a história nos ensina. Podemos estar na iminência de mais uma mega “corrida ao ouro”, nos moldes de tantas outras que já testemunhamos ao longo da história mundial. Lembram-se das aventuras no faroeste norte-americano que dizimaram inteiras populações indígenas? De Serra Pelada no Brasil e seus danos ecológicos e sociais? E mais recentemente nos territórios ianomâmis, com o consequente envenenamento por mercúrio das águas da inteira região? Os exemplos são muitíssimos, todos eles evidenciando o séquito de destruição ambiental e humana que tais corridas insustentáveis em busca do vil metal e das “terras raras” representam. No entanto, alheios a tudo isso, obcecados por dinheiro e poder, líderes como Trump preferem lançar cortinas de fumaça aparentemente despropositadas como as Groenlândias, Canadás e Panamás da vida para, quase na surdina, fazer passar as suas boiadas. `
Apesar de alguns argumentos afirmarem que a mineração submarina seria menos impactante do que a terrestre, organizações ambientalistas e a comunidade científica alertam para os riscos à biodiversidade. Cerca de 99,99% dos fundos oceânicos nunca foram observados diretamente, e suas funções ecológicas são pouco conhecidas. Tratam-se de ecossistemas frágeis e únicos: A exploração pode ameaçar habitats ainda intocados, essenciais para o equilíbrio ambiental, com possíveis impactos irreversíveis. O risco é ainda maior por causa da falta de regulamentação internacional adequada: O avanço das iniciativas privadas e nacionais acontece mais rapidamente do que o desenvolvimento de regras claras e rigorosas para a proteção desses ambientes.
Através de uma mobilização global, a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano buscará justamente acelerar ações para conservar e usar de forma sustentável os oceanos, refletindo a preocupação global com essas ameaças.
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