Junho de 2013 chega aos Estados Unidos e a consequência pode ser uma ditadura
Protestos seguidos de repressão violenta podem ser o embrião de uma guerra civil e do endurecimento do regime
As imagens da cidade de Los Angeles neste fim de semana lembram mais um país mergulhado em guerra civil do que a maior democracia ocidental. Tropas da Guarda Nacional ocupam bairros inteiros, fuzileiros navais estão de prontidão, manifestantes enfrentam bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha e helicópteros sobrevoam a região – tudo isso como resposta a protestos contra operações de deportação realizadas pelo ICE.
O ICE – sigla para Immigration and Customs Enforcement – é a agência federal de imigração dos Estados Unidos, criada em 2003 após o 11 de setembro de 2001. Sua missão declarada é fiscalizar fronteiras, prender e deportar imigrantes em situação irregular. Com a volta de Donald Trump à presidência, tornou-se um instrumento de perseguição a trabalhadores imigrantes, especialmente latinos, e de intimidação política, operando muitas vezes com métodos autoritários, prisões administrativas e ações-surpresa que aterrorizam comunidades inteiras.
A justificativa oficial para o envio das tropas é a contenção da “anarquia”. Mas a realidade mostra outra coisa: a tentativa do presidente Trump de transformar manifestações populares em espetáculo político, como parte de uma agenda de intimidação e repressão. Ao sinalizar ações de intervenção federal na Califórnia, o estado mais populoso, progressista e economicamente relevante dos Estados Unidos, Trump não apenas desafia as autoridades locais como testa os limites do federalismo e do Estado de Direito.
Por mais distantes que sejam as realidades do Brasil e dos Estados Unidos, há um certo de “guerra híbrida” no ar. No Brasil, junho de 2013 foi o ponto de inflexão de um processo que desmontou instituições e preparou o terreno para o avanço da extrema direita. Aquilo que começou como um suposto protesto contra tarifas de transporte foi rapidamente cooptado, manipulado, instrumentalizado. Em nome da “indignação popular”, iniciou-se um ciclo de desgaste do governo Dilma Rousseff, pavimentando o caminho para o golpe de 2016 e para a ascensão do bolsonarismo.
Hoje, os Estados Unidos vivem um momento de declínio econômico e desespero existencial. Protestos legítimos contra ações migratórias violentas são transformados em insurreições, e a repressão é convertida em espetáculo para galvanizar as bases trumpistas. A guerra híbrida, que um dia foi exportada para o mundo, talvez esteja agora retornando ao seu ponto de origem – e com toda a força.
Trump não escolheu a Califórnia por acaso. Trata-se de um dos principais centros econômicos, culturais e políticos do país – um estado governado por democratas, multicultural e símbolo de resistência ao trumpismo. A intervenção federal, com envio de tropas e ameaças explícitas de uso das Forças Armadas, tem um claro componente político: subjugar um território hostil ao projeto autoritário da Casa Branca.
A retórica de Trump – de que governadores e prefeitos locais são incapazes de controlar a “desordem” – lembra os artifícios históricos usados por regimes autoritários para justificar a supressão de autonomias regionais. O que parece estar em jogo não é apenas a política migratória, mas a própria arquitetura institucional dos Estados Unidos.
Em seu segundo mandato, Trump governa sem pudores, atacando a imprensa, instrumentalizando as forças de segurança e reforçando o culto à força. A ideia de que a democracia liberal poderia resistir a esse tipo de liderança mostrou-se ilusória. Diante da atual crise do capitalismo e da perda de hegemonia global, setores do establishment norte-americano parecem aceitar – ou até desejar – uma ruptura autoritária como forma de manter o poder.
A vitória militar da Rússia na Ucrânia, o avanço econômico da China, a emergência do multilateralismo e a fragmentação do Ocidente contribuem para esse cenário. A democracia liberal, antes vendida como modelo universal, passa a ser vista por muitos como um empecilho diante da nova ordem multipolar. O resultado é a radicalização do poder central nos Estados Unidos.
Lançado há pouco mais de um ano, o filme Guerra Civil, estrelado por Wagner Moura, parecia um alerta distópico. Hoje, soa como antecipação. Nele, 19 estados se separam da União e entram em guerra contra o governo central. Jornalistas percorrem zonas de conflito, registrando a erosão de qualquer noção de civilidade. A realidade começa a imitá-lo: tensão federativa, polarização extrema, militarização da política, descontrole social.
A repressão em Los Angeles não é um fato isolado. Talvez seja um marco. Um sinal de que o país que um dia se viu como guardião da liberdade caminha, passo a passo, rumo a uma ditadura interna. E, tal como em junho de 2013, o que pareceria apenas desordem urbana pode ser, na verdade, o estopim de algo muito maior – e também mais sombrio.
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